Recado a <i>madame Lagarde</i>

Anabela Fino

A senhora de cabelo branco cuidadosamente négligé que a miúde nos entra em casa via televisão, sempre maquilhada comme il faut, ostentando os seus colares de pérolas e os elegantes tailleurs comprados chez um selecto estilista da moda, devidamente adjuvada pelas suas malas louis vuitton com sapatos a fazer pendant, essa senhora, de nome de Christine Lagarde e actual directora do FMI, protagonizou a semana passada um 'episódio' sórdido.

Em entrevista ao Guardian, Lagarde – sempre tão politicamente correcta – insultou o povo grego.

A responsabilidade de haver crianças afectadas pelos cortes drásticos na despesa pública é dos respectivos pais, que não pagam os impostos (?!). E foi mais longe na virulência do insulto dizendo pensar mais nas crianças do Níger do que nas grávidas gregas sem acesso a parteiras ou nos doentes sem meios para comprar medicamentos para sobreviver.

«Tenho-as sempre na minha mente, porque acho que precisam mais de ajuda do que as pessoas em Atenas», disse, sem no entanto explicar por que é que o FMI não «ajuda» o Níger... Será porque, ao contrário da Grécia, dali não há retorno assegurado?

Mas voltando à questão de fundo – a Grécia e os gregos – a senhora FMI, que gasta num kit de roupa e acessórios muito mais do que um trabalhador ganha por mês e tem um ordenado superior ao fruto do trabalho anual de milhares de pessoas, não disse o que disse por acidente. Numa altura em que os sem abrigo enchem as ruas de Atenas e a pobreza fez disparar em 40 por cento a taxa de suicídios no país, Lagarde só tem uma preocupação, que nada tem a ver com o Níger: as eleições de 17 de Junho na Grécia.

A um povo que teve a veleidade de afirmar nas urnas a sua rejeição pelas políticas que sacrificam os direitos sociais para garantirem e aumentarem os benefícios ao capital, aos grandes grupos económicos e ao sector financeiro, há que atemorizar por todos os meios – incluindo o insulto e a humilhação –, não vá o caso repetir-se ou, pior ainda, servir de exemplo a outros. A mensagem é clara: ou votam «bem» ou vão para o inferno. O que Lagarde não sabe, obliterada pelo seu perfume francês, é que há sempre um ponto em que os «de baixo» já não querem e os «de cima» já não podem.



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